Lagoa de Abaeté passa por obra de requalificação em meio a processo que pode tombar espaço
Dorival Caymmi já cantava versos enaltecendo a “lagoa linda” de um dos pontos mais conhecidos da cidade. A música “A Lenda do Abaeté” traz à tona a realidade do local no início do século. Hoje, a especulação imobiliária ameaça a região, enquanto areias brancas estão sendo comprometidas por uma canalização de esgoto, instalada no início do mês, no centro das dunas do Parque do Abaeté. O espaço também passa por requalificação do Governo do Estado, mas especialistas apontam que a obra fere decisão federal.
Além de ser uma área verde e de lazer para os moradores de Itapuã, Piatã e bairros adjacentes, a Lagoa do Abaeté é um espaço de grande valor sagrado para a comunidade de axé. As águas doces do local são utilizadas para saudar as orixás Oxum e Nanã. No entanto, há uma semana, frequentadores e comerciantes da região se depararam com uma estrutura de concreto que parece ser uma canalização de esgoto e resíduos fluviais.
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"Foi aberta uma canalização no meio da duna e se conecta à lagoa. A água infiltra-se na lagoa, ou seja, chega poluída e suja, proveniente de uma área urbanizada, e acaba entrando na lagoa. Isso está completamente errado. O impacto visual é negativo, a poluição hídrica é inaceitável e a própria obra, localizada no meio da duna, carece de sinalização adequada”, contou Lavínia Adriana Soares, membro do Conselho Gestor da Área de Proteção Ambiental (APA) Lagoas e Dunas do Abaeté, à BNews Premium.
Lavínia, que também é membro do Coletivo Socioambiental Fórum Permanente de Itapuã, denunciou que a lagoa está secando devido o avanço imobiliário na região.
A água da Lagoa do Abaeté está secando devido à excessiva captação para bombeamento, que abastece condomínios, restaurantes, hotéis e pousadas. Toda essa rede, que se beneficia da água e possui autorização da própria Embasa, consome a água do lençol freático, resultando no esvaziamento da lagoa e no rebaixamento do seu nível. Além disso, há os problemas decorrentes do esgoto drenado e chega à lagoa através da rede de esgoto de Itapuã”, aponta.
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| Foto: Leitor Bnews - Canalização de esgoto é aberta em Duna da Lagoa de Abaeté |
O caso ganhou repercussão nas redes sociais e a população manifestou sua indignação. “Triste realidade e descaso com o Abaeté”, disse um internauta. “Que desrespeito, descaso com a natureza e com a população”, destacou outro.
Diante das denúncias, a equipe da BNews Premium questionou o Instituto Do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) sobre a construção do esgoto em uma das dunas do local de preservação ambiental.
A estrutura foi instalada de forma provisória, como medida emergencial, em razão das obras de reparo no sistema de drenagem da área”, diz o Inema.
Segundo o órgão, a permanência da estrutura no local é temporária e tem como objetivo conter possíveis alagamentos diante da previsão de fortes chuvas para o começo de maio. Somente entre os dias 2 a 5 de maio, foi registrado um volume acumulado de 136,7 mm, superior à média histórica para o mês, que é de 63,4 mm.
Ainda conforme o Inema, “a tubulação que existente no local possivelmente não comportaria a quantidade de água recebida durante o referido período chuvoso”. Com o fim do período estabelecido pelo órgão, a instituição ressalta que a gestão foi acionada para retirar a canalização.
“A gestão da unidade solicitou a retirada da estrutura e iniciou a análise buscando avaliar as medidas mais adequadas para conter os danos causados pela força das águas das chuvas no local, reforçando o compromisso com o meio ambiente e buscando solução adequada e não danosa ao nosso ecossistema”, informa.
Apesar do comunicado, moradores locais destacam que o esgoto não foi removido, mas sim coberto com areia, numa tentativa de mascarar a canalização. Em entrevista à BNews Premium, uma moradora local, que preferiu não se identificar, manifestou sua indignação em relação à obra.
Estive lá na segunda-feira(5) e já tinham encobrido com areia. A desculpa dada para construção foi a chuva, mas, na verdade, sabemos que a própria lagoa poderia absorver e se fosse de criar algo não precisaria ser de concreto e daquela forma, nada que é temporário chega dessa maneira e é encoberto”, conta.
Em entrevista à BNews Premium, o especilista Marco Tomasoni pontuou a importância do Parque do Abaeté. "O Abaeté é um simbolo e um patrimonio da Bahia, do Brasil e do mundo, presicamos encarra a responsabilidade de preserva-ló. O Abaeté é um grande pulmão da cidade de Salvador", argumentou o geógrafo e representante do corpo docente da Universidade Federal da Bahia (Ufba) no Conselho Gestor da Apa Lagoas e Dunas do Abaeté.
Requalificação contra a lei
Em março de 2024, o Governo do Estado da Bahia, por meio do governador Jerônimo Rodrigues (PT), anunciou o projeto de requalificação do Parque da Lagoa do Abaeté, com um investimento de R$ 5 milhões para reformas no Centro de Atividades e na Casa da Música.
“Essa lagoa é uma área muito importante, um parque fundamental para o pulmão de Salvador, além do aspecto histórico que temos aqui, um lugar que já foi cantado em músicas, poesias, artes e fotografias [...] Por isso, nos preocupamos com a manutenção desse local e, agora, com essa recuperação dos equipamentos e ampliação, temos a certeza de que aqui será um ambiente mais fortalecido”, destacou o governador na época.
Apesar das declarações do gestor, em 2022, a Prefeitura de Salvador já planejava realizar uma intervenção na área. O projeto previa a construção de um prédio que serviria como sede para a administração, além de sanitários, estacionamento e um núcleo de orientação ambiental. Também estavam incluídos no esboço uma escadaria de madeira, pavimentação, paisagismo, equipamentos de lazer, iluminação, passeios, um deck e um mirante, além de obras de micro e macrodrenagem.
Além disso, houve uma série de discussões sobre uma possível mudança do nome do local para “Monte Santo Deus Proverá”, mas o projeto de alteração da nomenclatura foi barrado ainda na Câmara Municipal.
No ano seguinte, em 2023, Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou uma Ação Civil Pública contra o Município de Salvador e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), pedindo uma medida liminar que obrigue o IPHAN a acelerar os processos de tombamento nº 01450.001412/2019-40 e 01502.002856/2015-16.
O objetivo da decisão é instituir a possibilidade de tombamento provisório das áreas da Lagoa do Abaeté e do Parque das Dunas, além de impedir a urbanização dessas regiões, cujo projeto da Prefeitura incluia a mudança do nome para 'Monte Santo Deus Proverá', desconsiderando sua importância como sítio de proteção ambiental e local sagrado para religiões afro-brasileiras”, diz o ofício.
A reportagem BNews Premium procurou o Iphan para compreender o andamento do processo de tombamento do local e o instituto informou que "o processo de tombamento da Lagoa do Abaeté, encontra-se em tramitação na Superintendência do Instituto na Bahia".
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| Decisão do DPU sobre tombamento da Logoa de Abaeté |
Diante do cenário, a BNews Premium questionou o Inema sobre a situação legal da obra de requalificação comandada pelo Governo do Estado. Em nota, o orgão informou que a intervenção em questão trata-se de uma requalificação de estruturas já existentes, sem qualquer tipo de expansão ou nova ocupação da área. "O objetivo é promover a valorização cultural, o incentivo ao turismo sustentável e o fortalecimento das ações de educação ambiental desenvolvidas na unidade, contribuindo, assim, com a preservação ambiental da Lagoa do Abaeté", disse o instituto.
O órgão também destacou "que a obra foi solicitada e aclamada pela própria comunidade local há muitos anos, sendo, portanto, uma demanda legítima da população do entorno".
Todas as etapas do projeto seguem os trâmites legais e técnicos exigidos para áreas ambientalmente protegidas, com atenção às normativas estaduais e federais vigentes", concluiu.
Por, BNEWS
