PL prevê redução dos repasses ao fundo que mantém o funcionamento das unidades
O Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ) enviou um ofício ao governador Jerônimo Rodrigues (PT) solicitando que o projeto de lei que pode resultar no fechamento de cartórios em 224 cidades baianas seja vetado. O PL nº 25.851 é de autoria do Governo do Estado e foi aprovado pelos deputados estaduais no último dia 17, um dia após ser enviado à Casa legislativa.
Apesar de não citar a diminuição do número de cartórios no estado, o projeto prevê a redução de um quarto dos recursos do Fundo Especial de Compensação da Bahia (Fecom). Atualmente, o fundo recebe 12,2% de toda a receita dos cartórios do estado. A proposta prevê que o repasse seja de 9% - o que representa impacto de R$ 2,657 milhões por mês. O dinheiro do fundo é utilizado para pagar uma 'renda mínima' aos cartórios deficitários da Bahia, que representam 461 de todos os 752 do estado.
O ofício foi enviado ao governador após reunião entre a presidente do TJ-BA, desembargadora Cynthia Maria Pina Resende, o conselho gestor do Fecom e delegatários baianos, na última quinta-feira (3). O encontro debateu os impactos da redução ao Fundo Especial de Compensação, cuja função é garantir o acesso da população aos serviços, especialmente no interior do estado. A reportagem solicitou a íntegra do ofício enviado pela presidência, mas o TJ-BA se recusou a enviar o documento.
O presidente do Fecom, Igor Pinheiro, esteve presente na reunião e foi um dos que assinou o ofício enviado ao governador. O Tribunal de Justiça da Bahia e as entidades cartorárias alegam que não foram sequer consultados sobre o projeto de lei de autoria do Governo do Estado. A reportagem entrou em contato com a assessoria do governo, que até está publicação não se manifestou sobre a redução dos repasses.
"Foi solicitado o veto do governador ao projeto, uma vez que a presidência do Tribunal de Justiça não foi consultada sobre a medida. Os repasses do fundo são direcionados ao sistema extrajudicial cartorário, que é submetido ao TJ", explica Igor Pinheiro. A Confederação Nacional de Notários e Registradores (CNR) e a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg) também enviaram ofício ao governador em que pedem o veto ao projeto.
Enquanto prevê redução de um quarto dos valores destinados ao Fundo Especial de Compensação da Bahia, o projeto de lei aumenta em 4% os repasses ao Fundo de Modernização do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA). A medida é criticada por Daniel Sampaio, presidente da Anoreg na Bahia. "Existem ações em âmbito nacional que discutem a legitimidade de órgãos que não tem relação com serviços extrajudiciais no recebimento dos recursos, mas ainda não há uma decisão que reconheça a falta de pertinência desses repasses", diz.
Impactos
As unidades com risco de fechamento estão distribuídas em 224 cidades, de acordo com dados do Fecom obtidos pela reportagem. Entre os municípios impactados estão Salvador, que tem seis cartórios bancados pelo fundo de compensação, além de Lauro de Freitas, Mata de São João, Itaberaba, Jacobina, entre outras.
O Fundo Especial de Compensação da Bahia já opera no vermelho, com déficit anual de R$ 40,4 milhões por ano. Uma estimativa prevê o fim da entidade em seis anos e sete meses, se o projeto de lei for sancionado.
"Em seis anos, deixaremos de conseguir pagar a renda mínima para o funcionamento dos cartórios, o que vai impactar diretamente nos serviços prestados. Os cartórios oferecem, de forma gratuita, primeira via de certidões de nascimento, casamento e óbito, por exemplo, que são essenciais para a sociedade", avalia Igor Pinheiro, presidente do Fecom.
Cartórios que podem fechar as portas em Salvador se PL for aprovado
Cartório dos Mares por Google Maps
No ano passado, foi sancionada a lei que permitiu a reestruturação dos cartórios baianos de acordo com número de habitantes, o que contribuiu para o fechamento de cerca de 500 unidades em todo o estado. As novas regras estabelecem, por exemplo, que as cidades com população de até 40 mil habitantes tenham um único Ofício com as atribuições de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas.
Como os cartórios funcionam?
Para abrir um cartório, é necessário passar por um concurso público e preencher requisitos como: ter nacionalidade brasileira, quitação com as obrigações eleitorais e militares, além de diploma de bacharel em direito. O faturamento varia de acordo com as demandas de cada cartório, sendo que muitos deles são deficitários. Nesses casos, os emolumentos - taxas sobre serviços prestados - não são suficientes para cobrir os custos. Esses são os que recebem a 'renda mínima' repassada pelo fundo.
Apesar de não ser automático, o fechamento de cartórios pode acontecer. No ano passado, o governador Elmano de Freitas (PT), do Ceará, sancionou a extinção de 119 cartórios extrajudiciais em 74 municípios do estado. Três anos antes, 51 cartórios, em 30 comarcas, foram fechados no Espírito Santo. As unidades eram deficitárias - arrecadavam menos do que o necessário para manter as próprias atividades.