Joneuma Silva Neres é apontada como uma das responsáveis por articular o plano de fuga do Conjunto Penal de Eunápolis. Ex-diretora está presa desde janeiro.
A ex-diretora do Conjunto Penal de Eunápolis, Joneuma Silva Neres, o ex-coordenador de segurança da unidade, Wellington Oliveira Sousa, e o suspeito de chefiar uma facção criminosa na cidade, Ednaldo Pereira de Souza, são apontados pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) como responsáveis por planejar a fuga ocorrida no presídio, em dezembro do ano passado.
A operação de fuga tinha o objetivo de livrar Ednaldo, mais conhecido como Dadá, e outros 15 presos do cárcere. Em janeiro, um dos homens morreu em confronto com policiais civis na cidade. Os demais seguem foragidos.
Os detalhes sobre a participação de cada um estão na denúncia oferecida à Justiça em março deste ano. O caso segue sob segredo de justiça, porém o g1 obteve acesso ao documento nesta sexta-feira (4).
Além de Joneuma e Wellington, Dadá e os outros fugitivos também foram denunciados. A ex-diretora e o ex-coordenador estão presos em diferentes unidades prisionais no sul e extremo sul do estado.
Entenda a operação de fuga
Segundo as investigações, além de colocar todos os aliados de Dadá na mesma cela, dias antes da fuga, a ex-diretora do Conjunto Penal de Eunápolis e o subordinado, Wellington, colaboraram de outras formas para o sucesso do plano.
Entre as ações, está o fato de Joneuma e Wellington terem "elevado o status" de mais de 12 integrantes da facção, que estavam presos, como meio de facilitar as fases da fuga. Com isso, atribuíram aos escolhidos o posto de "correrias", o que na linguagem do sistema carcerário significa que esses detentos têm liberdade de circulação na unidade prisional e atuam como intermediadores das reivindicações dos internos.
Conforme os depoimentos, os detentos chegavam a ficar com chaves de várias celas e de alas específicas do Conjunto Penal para serem mantidos na missão de "leva e traz".
Ainda conforme o documento, o grupo passou a introduzir vários equipamentos ilícitos na unidade, como celulares, facas e até uma furadeira à bateria, que foi utilizada para fazer o buraco no teto usado pelos homens para fugir.
Para entrar com os materiais no presídio, o grupo contava com o auxílio externo de outros comparsas, que, segundo o MP-BA, se passavam como visitantes.
Em determinado momento, durante reformas no presídio, esses instrumentos ilícitos teriam sido transportados, em baldes, pelos próprios presos, na presença de Joneuma e de Wellington. O MP-BA aponta ainda que os membros do grupo também circulavam no presídio armados com facas e facões.
O Conjunto Penal de Eunápolis fica em uma área afastada do centro da cidade, no bairro Juca Rosa. A fuga contou com quatro veículos do tipo SUV e oito homens portando armas de grosso calibre.
Conforme a investigação, a furadeira foi usada no dia 29 de novembro e o barulho não passou despercebido por agentes penais, mas, conforme as investigações, a ex-diretora e o ex-coordenador de segurança demoraram para tomar atitudes.
Wellington chegou a colocar a culpa na chefia, durante depoimento, porém outras pessoas ouvidas apontam que ele também dificultou a ação.
O supervisor operacional, responsável por fazer as rondas na ala da cela 44, comunicou os fatos a Wellington e pediu apoio para paralisar a situação de "iminente risco de fuga".
No entanto, o documento aponta que o ex-coordenador de segurança "enrolou" o profissional, ao alegar que aguardava uma "resposta" da diretora do presídio.
Joneuma, por sua vez, segundo aponta a investigação, aguardou os presos fazerem o buraco no teto para solicitar a entrega da ferramenta, o que só ocorreu dois dias após a perfuração. O objeto ficou guardado na sala da mulher.
Na ocasião, Wellington até formalizou, "fraudulentamente", a comunicação do uso da furadeira pelos detentos e a apreensão. No entanto, omitiu detalhes do uso do equipamento e o buraco feito com ele.
As investigações apontam que Joneuma chegou a orientar Wellington a apagar os registros da falsa comunicação e a não comentar os fatos com mais ninguém.
A denúncia diz também que, em outro momento, a ex-diretora da unidade determinou que Wellington guardasse o equipamento no carro dele, para entregar a ela, pessoalmente, no dia 13 de dezembro, um dia após a fuga dos detentos.
O g1 procurou o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) para saber se a denúncia contra os acusados já foi aceita, mas a Corte baiana não respondeu até a publicação desta reportagem.
Onde estão os envolvidos
Atualmente, Wellington Oliveira Sousa está preso no Conjunto Penal de Teixeira de Freitas, também no extremo sul. Em contato com a reportagem da TV Bahia, a defesa dele informou que não iria se posicionar.
Já Joneuma Silva Neres foi levada para o Conjunto Penal de Itabuna, no sul, após ser presa em janeiro deste ano. Ela estava grávida e deu à luz no presídio. O bebê segue na unidade.
Em entrevista à TV Bahia, Jocelma Neres, irmã e advogada de Joneuma, negou a existência de um caso entre ela e Dadá.
"A gente não sabe quem foi que articulou tudo isso, mas ela está sofrendo as consequências de um crime que não cometeu. Ela nunca teve nenhum relacionamento com essa pessoa", afirmou.
A advogada também destacou a preocupação com o fato de o sobrinho ainda estar no presídio com a mãe. "O presídio não é ambiente para uma criança recém-nascida e a família está desesperada, sem ter o que fazer. A gente não tem condições de estar lá com ela, pelo fato de ser uma cidade longe, e não ter recursos financeiros para estar lá".
O advogado Artur Nunes, que também representa Joneuma, reforçou que ela não tem relação com o crime. "Em nenhum momento, ela recebeu qualquer tipo de valor. Foi requerida pela Polícia Civil a quebra do sigilo bancário dela. No momento que eles quiserem, eles têm acesso", acrescentou.
Já Dadá fugiu para o Rio de Janeiro (RJ), segundo pontuou a investigação. Ele segue procurado pela polícia.
Além deles, Vagno Oliveira Batista é um dos suspeitos de auxiliar a operação de fuga do lado de fora do presídio. Ele foi preso em fevereiro deste ano, portando uma pistola. Segundo as investigações, o homem era responsável por cuidar do armamento da facção.
Em depoimento, Vagno disse que, depois da fuga, foi até a favela da Rocinha, onde encontrou com Dadá e outros cinco fugitivos. O local, conforme depoimento, seria para onde Joneuma planejava fugir antes de ser presa.
Joneuma Silva Neres esteve à frente do Conjunto Penal de Eunápolis por nove meses e foi a primeira mulher a ocupar este tipo de cargo no estado. No entanto, apesar da representatividade, o que veio à tona após as prisões revela que o conjunto penal estava sob comando do crime organizado.
O processo mostra que, desde que assumiu o cargo, em março de 2024, a gestora chamou a atenção das autoridades, especialmente pelas regalias dadas aos presos. Segundo informações presentes no documento, ela autorizou a entrada irregular de roupas, freezers, ventiladores e sanduicheiras.
Entre as regalias apontadas no depoimento, está o acesso de visitas. Wellington disse que a esposa de Dadá "passou a ingressar no conjunto penal, sem qualquer inspeção, mediante autorização da diretora".
Wellington também mencionou que Joneuma e Dadá tinham "encontros frequentes, que ocorriam na sala de videoconferências, sempre a sós, com uma folha de papel ofício obstruindo a visibilidade da porta pela abertura de vidro".
O homem disse ainda que "as reuniões eram sigilosas e geravam estranheza entre os funcionários devido à regularidade e longa duração".
Ainda conforme a denúncia, um dos presos mencionou, em depoimento, que enquanto estava na enfermaria, dois detentos confirmaram o suposto relacionamento amoroso entre a diretora e Dadá. Disse ainda que "a cadeia toda falava que a ex-diretora teria recebido aproximadamente R$ 800 mil para colaborar na fuga de presos". A denúncia, no entanto, crava que o valor de R$ 1,5 milhão foi repassado a Joneuma.
O que diz a Seap
Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização do Estado (Seap) informou que o ex-deputado Uldurico Júnior nunca teve influência política na pasta, "principalmente para acobertar qualquer tipo de ação criminosa dentro do Conjunto Penal de Eunápolis".
Segundo a Seap, "jamais" foi de conhecimento dos gestores da secretaria qualquer envolvimento da diretora com algum dos internos da unidade.
O posicionamento afirma ainda que é uma inverdade uma afirmação feita pelo advogado de Joneuma Andrade de que à época houve um comunicado dela sobre a possibilidade de fuga.
Por fim, a Seap destacou que, em todas as inspeções realizadas no Conjunto Penal de Eunápolis, na gestão de Joneuma, a servidora organizava tudo de modo a parecer que a unidade funcionava dentro "da mais perfeita ordem e cumprindo o que diz a Lei de Execução Penal".
Por, g1 Bahia.